Jose da Silva Cruz

José da Silva Cruz, mais conhecido por Zé da Pardala era filho de Manuel Maria da Cruz e de Luísa da Silva Pardala, padeira famosa da rua do Casal. Nascido em Ílhavo em 13 de Novembro de 1915, foi morador na citada rua. Casou com Maria de Jesus Teles a 14 de Janeiro, de 1939, de quem teve dois rapazes, tendo enviuvado em 1947. Concluída a instrução primária, deu a conhecer a seu pai que gostaria de ser maquinista na Marinha Mercante. Então, de aprendiz de serralheiro numa oficina em Aveiro, passou a trabalhador-estudante, em Lisboa. Foi com 68 anos, que decidiu deixar-nos escritas as suas Memórias – 1927-1983, que, agora nos auxiliaram, nestas divagações… Com a morte do pai e a falta de meios, o recurso foi mesmo a pesca do bacalhau através de um pedido ao primo António dos Santos para o levar com ele, no lugre-escuna Santa Regina, antigo veleiro, de que era capitão. E lá foi, em Janeiro de 1933, para Massarelos, no Porto, para bordo do navio, em que terá feito a primeira viagem de moço. Entre as campanhas de 1934 e 36, permaneceu no mesmo navio, gostando mesmo daquela vida, apesar de cruel e lá foi de «verde», tendo sido o melhor «verde» – revela-nos. Nas safras de 35 e de 36, já foi como pescador «maduro», classificando-se entre os melhores do navio. Foi sempre um trabalhador destemido, sentindo vaidade nisso, e o pescar, para ele, era como que fosse um desporto. Chegado ao Porto, depois da viagem de 1936, rumou a Ílhavo, onde era costume reunir-se com os companheiros e alinhar em grandes paródias. Teve a hipótese de ir num navio novo, de ferro, ainda em construção, com melhorias de renome, – era o famoso Creoula, que fora ajudar a aparelhar, em Março. Em Janeiro de 1938, de novo, rumou para a Azinheira, para a safra seguinte, no Creoula – viagem que deixou muito que contar, neste caso, pela negativa. No dia 10 de Outubro, em que o mau tempo vinha a piorar, já não se podia passar da proa à popa. O convés do Creoula era uma autêntica praia. A certa altura, temendo-se o pior, o navio meteu a proa ao mar e uma vaga enorme, cavalgou-o, varrendo-lhe o convés e saindo pela popa. Tal volta de mar, em toda a sua fúria, levou o imediato, Carlos Eduardo Miranda Calás, natural de Lisboa e mais 3 homens qua aí tiveram sepultura para sempre. Para além destas descomunais perdas humanas, esta montanha de mar levou também borda fora, 28 dóris, mesas de escala, selhas, barris e uma agulha magnética. Casou-se em Janeiro de 1939, só que, uns oito dias depois do casamento, fora chamado para a Azinheira, para ir buscar a Roterdão, – o Argus – que a Bensaúde aí havia mandado construir. Sob o comando de Aníbal Pereira Ramalheira, o Zé da Pardala recorda que a sua posição a bordo, fora, durante quatro anos consecutivos, escalador e pescador especial. Na safra de 1941, com mudança de oficiais, o capitão passou a ser João Pereira Ramalheira, o Vitorino, com o qual não se deu muito bem. Jurou ser essa, a sua última viagem ao bacalhau. E foi mesmo. Por aqui ficou a epopeia do Zé da Pardala, no bacalhau. O que ele queria mesmo era emigrar para os Estados Unidos da América, como o pai. De início, a vida não lhe correu tão bem assim, mas como «self made man», corajoso, despachado e lutador, lá foi vingando e enriquecendo. Começou por trabalhar na agricultura, na Califórnia, onde permanecera até 1951, mas o mar atraía-o e logo iniciara carreira na pesca do atum, no sul da Califórnia, que largara em 1965. Com oportunidade de, nos Estados Unidos, voltar a estudar, não perdeu a ocasião e tirou um curso de maquinista. Não lhe faltando nem conhecimentos nem ocasiões, lá andou de maquinista, em navios de passageiros e mercadoria, até à reforma. Intercalava estes períodos de trabalho com vindas de férias a Ílhavo, onde desfrutava dos encontros com amigos, e, mais tarde, de viagens pela Europa. Já em Ílhavo, definitivamente, tinha uma casa nova com um bom recheio, na rua do Casal, com um pequeno bar, onde fazia gosto de receber os amigos, para comer uns peticos e beber «uns calmantes», como chamava às bebidas. Em jeito de epílogo, a última vontade do nosso homem: – Gostava que o meu funeral fosse modesto e gostava de sair da minha casa na Rua do Casal, em Ílhavo, indo do meu Bar para o cemitério da vila, transportado num carro de bois, esse carro antigo, com os fueiros no seu lugar e que os bois fossem cobertos com uma manta preta ou vermelha, levando os cornos de fora. Ao passar à Igreja, os sinos tocarão em sinal de despedida, e que me levem, então, em paz, para junto da minha esposa de alguns anos, se tal for possível. Tal insólito pedido não se chegou a concretizar.
(Texto de Dr.ª Ana Maria Lopes)